O Ator
Plínio Marcos
Por mais que as cruentas e inglórias batalhas do cotidiano tornem um homem duro ou cínico o bastante para fazê-lo indiferente às desgraças e alegrias coletivas, sempre haverá no seu coração, por minúsculo que seja, um recanto suave no qual ele guarda ecos dos sons de algum momento de amor que viveu em sua vida.
Bendito seja quem souber dirigir-se a esse homem que se
deixou endurecer, de forma a atingi-lo no pequeno núcleo macio de sua
sensibilidade, e por aí despertá-lo, tirá-lo da apatia, essa grotesca forma de
autodestruição a que, por desencanto ou medo, se sujeita, e por aí inquietá-lo
e comovê-lo para as lutas comuns da libertação.
Os atores têm esse dom. Eles têm o talento de atingir as pessoas nos pontos nos quais não existem defesas. Os atores, eles, e não os diretores e os autores, têm esse dom. Por isso o artista do teatro é o ator.
O público vai ao teatro por causa dos atores. O
autor de teatro é bom na medida em que escreve peças que dão margem a grandes
interpretações dos atores. Mas, o ator tem que se conscientizar de que é um
cristo da humanidade e que seu talento é muito mais uma condenação do que uma
dádiva.
O ator tem que saber que, para ser um ator de
verdade, vai ter que fazer mil e uma renúncias, mil e um sacrifícios. É preciso
que o ator tenha muita coragem, muita humildade, e sobretudo um transbordamento
de amor fraterno para abdicar da própria personalidade em favor da
personalidade de seus personagens, com a única finalidade de fazer a sociedade
entender que o ser humano não tem instintos e sensibilidade padronizados, como
os hipócritas com seus códigos de ética pretendem.
Eu amo os atores nas suas alucinantes variações de
humor, nas suas crises de euforia ou depressão. Amo o ator no desespero de sua
insegurança, quando ele, como viajor solitário, sem a bússola da fé ou da
ideologia, é obrigado a vagar pelos labirintos de sua mente, procurando no seu
mais secreto íntimo afinidades com as distorções de caráter que seu personagem
tem.
E amo muito mais o ator quando, depois de tantos
martírios, surge no palco com segurança, emprestando seu corpo, sua voz, sua
alma, sua sensibilidade para expor sem nenhuma reserva toda a fragilidade do
ser humano reprimido, violentado. Eu amo o ator que se empresta inteiro para
expor para a plateia os aleijões da alma humana, com a única finalidade de que
seu público se compreenda, se fortaleça e caminhe no rumo de um mundo melhor,
que tem que ser construído pela harmonia e pelo amor.
Eu amo os atores que sabem que a única recompensa
que podem ter – não é o dinheiro, não são os aplausos - é a esperança de poder
rir todos os risos e chorar todos os prantos. Eu amo os atores que sabem que no
palco cada palavra e cada gesto são efêmeros e que nada registra nem documenta
sua grandeza. Amo os atores e por eles amo o teatro e sei que é por eles que o
teatro é eterno e que jamais será superado por qualquer arte que tenha que se
valer da técnica mecânica. (1986)