segunda-feira, 11 de abril de 2022

Coletânea Poetas Vivos

 

O ARDOR DOS DIAS

Desfazia-se no ardor dos dias
o recolhimento febril das horas
como se, pôr em ordem, a cama
desfeita desequilibrasse o viço
do tempo.

Fazia de mim tua antítese,
rindo o silêncio do meu segredo
para além das coisas inanimadas.

Um palhaço triste haveria
de nos fazer gargalhar,
mas eu compartilhava
sua dor irrevelável
nalgum gesto vacilante,
nalgum tropeço do corpo,
cujo corpo guiava-se à revelia,
que já não era mais corpo,
tampouco uma exibição.

A vela ardia sobre a mesa
no vislumbre embriagado
da luz oscilante e, de costas
para mim, tu soluçavas,
não sei se de riso,
não sei se de choro,
mas o ardor dos dias
recolhia febrilmente
as horas.

Dudu Galisa 



SERVIDÃO DE PASSAGEM

 

país dos bacharéis

pretos pobres

tão rebaixados

pobres pretos

leões de chácara

olham pretos pobres

da cabeça aos pés

para lhes negar

servidão de passagem

 

Antônio Mariano

Raptado da time line no facebook de Lau Siqueira



TROMPETE-REI

 

o assovio, pouco a pouco

foi-se fazendo mais agudo e intenso.

 

um trompete e os dedos grandes

de unhas brancas, meio amareladas

 

em um fim de tarde

começo de escuridão

 

tão amarelada quanto aquelas unhas.

e aquele rosto que se aproximava

 

com uma sevícia sobrenatural,

arregalava os olhos, depois fechava-os

 

até que sua face se enrugasse

e nos dilacerasse ante o fogo cruzado

 

das ruas – invisível àquele fim de tarde,

começo de escuridão.

 

ainda assim, eu me refaço nas entranhas

da noite, como quem ressuscita um jazz

 

esquecido, desprezado, cortante

diabólicamente arquitetado,

 

carnal e renascido nas intempéries

dos guetos e esgotos e jornais amassados

 

e comidas jogadas no lixo e óleo derramado

na pista e uma puta sonolenta na esquina,

 

enquanto tentamos aprender o que

vida às vezes esconde noutras ensina.

 

(Nathan Sousa)


as coisas amadurecem seus nomes

trocam de pele: tocam nossos olhos
atentos ao movimento mínimo do mundo
desde a raiz selvagem crescendo por dentro
da potência até as roupas no varal que respondem ao vento com seus vazios como velas de um barco no mar: perceber esse mínimo mundo é encontrar em cada ser contemplado com o silêncio
a pulsão que nutre o olho e o humano
parte da micro-
matéria

carlos orfeu

 

ali, onde não nos alcançamos

beirando o precipício
traçamos outros rumos

enquanto o desejo adormece
aqui, entre os seios
ali, entre as coxas que o contém

Benette Bacellar - 2022

Daria Endresen Art 


DOIS CORPOS

 

Dois corpos frente a frente

são às vezes duas ondas

e a noite um oceano

 

Dois corpos frente a frente

são às vezes duas pedras

e a noite um deserto

 

Dois corpos frente a frente

são às vezes raízes

na noite enlaçadas

 

Dois corpos frente a frente

são às vezes navalhas

e a noite um relâmpago

 

Dois corpos frente a frente

são dois astros que caem

num céu vazio

 

Octávio Paz

Raptado da time line no facebook de Dudu Galisa


Num dia nublado – Paulo Ciranda

Clic no link para ver o vídeo

https://www.youtube.com/watch?v=VfjXwbzOiOg


Dê Livros

Dê Lírios

Dê Beijos

Dia 1º de Maio inauguração da Biblioteca Bracutaia

 Doações de livros podem ser enviadas para Rua Ari Parreira, 26 - Barra Velha - Gargaú - São Francisco do Itabapoana-RJ - 28230-000


 


não tenho a pele com a cor

que eu desejava vermelha

a minha espelha transparência

quase espelho d´água

meu desejo em ser índia

orucun na carne fogo

não brotou quando fui parida

mas tenho a cor que quero

quando aponto os olhos

pra ferida aberta

em qualquer canto desse mundo

 

Rúbia Querubim

www.coletivomacunaimadecultura.blogspot.com



o itinerário dos pássaros

são tão imprevisíveis

quanto os meus

Rúbia Querubim voa

em meus dê lírios

como um beija-flor

beija o néctar das flores

na estação dos sonhos

que ainda não tive

 

 

Federico Baudelaire

www.arturkabrunco.blogspot.com



por aqui nessa trincheira

por entre mangues soterrados

tenho de sobra algum desejo

Dê Livros

Dê Lírios

Dê Beijos

 

Artur Gomes Fulinaíma

www.fulinaimargem.blogspot.com



ma cum ba

 

abaráebóubu  axé babá

na carnavalha dos tambores

o corpo incorpora o tempo/dança

a língua de exu

lambe as coxas de yansã/menina

os pelos/púbis ossanha

embaixo dos tecidos

palavra líquida lavra pelas pernas

Eros eletrizando peles bocas pelos

gritos enquanto  o rito segue

seus ancestrais preceitos

ma cum ba no meu peito

xangô meu feiticeiro

oxum encanto  tantas  línguas

cantam  pra tirar quebrando

de algum corpo nem santo

quando ogum vem pro terreiro

 

Artur Fulinaíma

O Poeta Enquanto Coisa

Editora Penalux – 2020

www.secretasjuras.blogspot.com



Jura secreta 10 


fosse o que eu quisesse 
apenas um beijo roubado em tua boca 
dentro do poema nada cabe 
nem o que sei nem o que não se sabe 

e o que não soubesse 
do que foi escrito 
está cravado em nós 
como cicatriz no corte 
entre uma palavra e outra 
do que não dissesse 

 

Artur Gomes

www.fulinaimagens.blogspot.com



Fulinaíma MultiProjetos

www.centrodeartefulinaima.blogspot.com

quinta-feira, 7 de abril de 2022

coletivo macunaíma de cultura


sala de ensaio

 

moram dentro o mar
dois olhos florescentes 
por trás desta paisagem
não são olhos de peixe
são dois feixes de luz
dois faróis brilhantes
que olham infinito
desde um outro tempo
mar de outras eras
nem era primavera 
aquela vez primeira 
nem era quarta feira
na sala de ensaio
diante dos espelhos
os olhos como raios

 

encontraram os meus 
nem brilhavam ainda 
como brilham agora
neste mar de Zeus

 

Artur Gomes 

www.fulinaimagens.blogspot.com





 a coincidência mineira

deputados cínicos e fascistas 
travestidos de democratas
insuflados por escravocratas
como um mineiro das Neves
apalavrado por Bicudo
transformam dignidade
em uma lata de lixo
ao bel prazer: impunimente 
articulando um GOLPE
descaradamente
como se o Brasil fosse habitado 
exclusivamente por dementes
e não percebesse que a trama
no bastidor foi engendrada
pelo seu vice-presidente
com a idêntica traição
que esquartejou Tiradentes

 

Federika Lispector

www.braziliricapereira.blogspot.com




 A farsa do amor

 

1

 

olho seco de cobra
morta —
chuva muito fina
agulhas
na carne viva

& você diz Amor
(velha senha secreta)

lambe as feridas
com língua de lixa

& tranca o trinco da jaula

 

2

 

não tente esse truque
outra vez

seja mais suja
meu doce amor

espete um alfinete
no olho do gafanhoto

toque fogo
nas asas de um anjo

capture vivo um ET
& o leve a um talkshow

mas não tente prender os lobos
quando for lua cheia

 

sampa, 13.11.97

Do livro Zona Branca



A flauta vertebrada

Vladimir Maiakovski

 

A todos vocês,
que eu amei e que eu amo,
ícones guardados num coração-caverna,
como quem num banquete ergue a taça e celebra,
repleto de versos levanto meu crânio.
Penso, mais de uma vez:
seria melhor talvez
pôr-me o ponto final de um balaço.
Em todo caso
eu
hoje vou dar meu concerto de adeus.
Memória!
Convoca aos salões do cérebro
um renque inumerável de amadas.
Verte o riso de pupila em pupila,
veste a noite de núpcias passadas.
De corpo a corpo verta a alegria.
esta noite ficará na História.
Hoje executarei meus versos
na flauta de minhas próprias vértebras.


 NO CAMINHO COM MAIAKÓVSKI

 

Assim como a criança

humildemente afaga

a imagem do herói,

assim me aproximo de ti, Maiakóvski.

 

Não importa o que me possa acontecer

por andar ombro a ombro

com um poeta soviético.

 

Lendo teus versos,

aprendi a ter coragem.

 

Tu sabes,

conheces melhor do que eu

a velha história.

 

Na primeira noite eles se aproximam

e roubam uma flor

do nosso jardim.

 

E não dizemos nada.

 

Na Segunda noite, já não se escondem:

pisam as flores,

matam nosso cão,

e não dizemos nada.

 

Até que um dia,

o mais frágil deles

entra sozinho em nossa casa,

rouba-nos a luz, e,

conhecendo nosso medo,

arranca-nos a voz da garganta.

 

E já não podemos dizer nada.

 

Nos dias que correm

a ninguém é dado

repousar a cabeça

alheia ao terror.

 

Os humildes baixam a cerviz;

e nós, que não temos pacto algum

com os senhores do mundo,

por temor nos calamos.

 

No silêncio de meu quarto

a ousadia me afogueia as faces

e eu fantasio um levante;

mas amanhã,

diante do juiz,

talvez meus lábios

calem a verdade

como um foco de germes

capaz de me destruir.

 

Olho ao redor

e o que vejo

e acabo por repetir

são mentiras.

 

Mal sabe a criança dizer mãe

e a propaganda lhe destrói a consciência.

 

A mim, quase me arrastam

pela gola do paletó

à porta do templo

e me pedem que aguarde

até que a Democracia

se digne a aparecer no balcão.

 

Mas eu sei,

porque não estou amedrontado

a ponto de cegar, que ela tem uma espada

a lhe espetar as costelas

e o riso que nos mostra

é uma tênue cortina

lançada sobre os arsenais.

 

Vamos ao campo

e não os vemos ao nosso lado,

no plantio.

 

Mas ao tempo da colheita

lá estão

e acabam por nos roubar

até o último grão de trigo.

 

Dizem-nos que de nós emana o poder

mas sempre o temos contra nós.

 

Dizem-nos que é preciso

defender nossos lares

mas se nos rebelamos contra a opressão

é sobre nós que marcham os soldados.

 

E por temor eu me calo,

por temor aceito a condição

de falso democrata

e rotulo meus gestos

com a palavra liberdade,

procurando, num sorriso,

esconder minha dor

diante de meus superiores.

 

Mas dentro de mim,

com a potência de um milhão de vozes,

o coração grita – MENTIRA!

 

Eduardo Alves da Costa -



Fulinaíma MultiProjetos

www.centrodeartefulinaima.blogspot.com

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