NÓS
Fernando Leite Fernandes
Senta,
Vai alta a madrugada
E não demora, a manhã vai entrar
Pelas frestas da casa,
Como leite derramado.
Faz tempo que dividimos a comida,
A roupa limpa,
Que contabilizamos dívidas
E regamos com zelo de parteiras,
A flor do nosso sentimento
- rara orquídea multicor –
Vem, senta,
As crianças dormem de janelas abertas,
Não há perigo algum,
Podemos arriar nossas espadas,
Afrouxar nossas defesas
Por instantes,
Pelo menos, até que o dia reponha suas
armadilhas.
Olha, as nuvens são alfaias,
Mobílias do céu.
Temos um Deus nômade
Que nos defende à distância
E é impressionante essa galáxia sobre nós,
Enquanto contamos o cobre
que comprará arroz e trigo
Quando amanhecer.
- há muito que nos alimentamos
De aurora e pão –
Senta, esquece a lâmina do futuro,
É hora de içar as imensas velas do amor,
Espalhar no chão nossas roupas íntimas,
Mergulhar no delírio,
O mar que trazemos escondido
Há tanto tempo.
obs.: poesia vencedora do I FestCampos de Poesia
Falada - 1999 - projeto de poesia criado em 1999 por Artur Gomes na Fundação
Cultural Jornalista Oswaldo Lima, que volta a coordená-lo neste ano de 2023 em
sua XXIIIª Edição.