quinta-feira, 7 de abril de 2022

coletivo macunaíma de cultura


sala de ensaio

 

moram dentro o mar
dois olhos florescentes 
por trás desta paisagem
não são olhos de peixe
são dois feixes de luz
dois faróis brilhantes
que olham infinito
desde um outro tempo
mar de outras eras
nem era primavera 
aquela vez primeira 
nem era quarta feira
na sala de ensaio
diante dos espelhos
os olhos como raios

 

encontraram os meus 
nem brilhavam ainda 
como brilham agora
neste mar de Zeus

 

Artur Gomes 

www.fulinaimagens.blogspot.com





 a coincidência mineira

deputados cínicos e fascistas 
travestidos de democratas
insuflados por escravocratas
como um mineiro das Neves
apalavrado por Bicudo
transformam dignidade
em uma lata de lixo
ao bel prazer: impunimente 
articulando um GOLPE
descaradamente
como se o Brasil fosse habitado 
exclusivamente por dementes
e não percebesse que a trama
no bastidor foi engendrada
pelo seu vice-presidente
com a idêntica traição
que esquartejou Tiradentes

 

Federika Lispector

www.braziliricapereira.blogspot.com




 A farsa do amor

 

1

 

olho seco de cobra
morta —
chuva muito fina
agulhas
na carne viva

& você diz Amor
(velha senha secreta)

lambe as feridas
com língua de lixa

& tranca o trinco da jaula

 

2

 

não tente esse truque
outra vez

seja mais suja
meu doce amor

espete um alfinete
no olho do gafanhoto

toque fogo
nas asas de um anjo

capture vivo um ET
& o leve a um talkshow

mas não tente prender os lobos
quando for lua cheia

 

sampa, 13.11.97

Do livro Zona Branca



A flauta vertebrada

Vladimir Maiakovski

 

A todos vocês,
que eu amei e que eu amo,
ícones guardados num coração-caverna,
como quem num banquete ergue a taça e celebra,
repleto de versos levanto meu crânio.
Penso, mais de uma vez:
seria melhor talvez
pôr-me o ponto final de um balaço.
Em todo caso
eu
hoje vou dar meu concerto de adeus.
Memória!
Convoca aos salões do cérebro
um renque inumerável de amadas.
Verte o riso de pupila em pupila,
veste a noite de núpcias passadas.
De corpo a corpo verta a alegria.
esta noite ficará na História.
Hoje executarei meus versos
na flauta de minhas próprias vértebras.


 NO CAMINHO COM MAIAKÓVSKI

 

Assim como a criança

humildemente afaga

a imagem do herói,

assim me aproximo de ti, Maiakóvski.

 

Não importa o que me possa acontecer

por andar ombro a ombro

com um poeta soviético.

 

Lendo teus versos,

aprendi a ter coragem.

 

Tu sabes,

conheces melhor do que eu

a velha história.

 

Na primeira noite eles se aproximam

e roubam uma flor

do nosso jardim.

 

E não dizemos nada.

 

Na Segunda noite, já não se escondem:

pisam as flores,

matam nosso cão,

e não dizemos nada.

 

Até que um dia,

o mais frágil deles

entra sozinho em nossa casa,

rouba-nos a luz, e,

conhecendo nosso medo,

arranca-nos a voz da garganta.

 

E já não podemos dizer nada.

 

Nos dias que correm

a ninguém é dado

repousar a cabeça

alheia ao terror.

 

Os humildes baixam a cerviz;

e nós, que não temos pacto algum

com os senhores do mundo,

por temor nos calamos.

 

No silêncio de meu quarto

a ousadia me afogueia as faces

e eu fantasio um levante;

mas amanhã,

diante do juiz,

talvez meus lábios

calem a verdade

como um foco de germes

capaz de me destruir.

 

Olho ao redor

e o que vejo

e acabo por repetir

são mentiras.

 

Mal sabe a criança dizer mãe

e a propaganda lhe destrói a consciência.

 

A mim, quase me arrastam

pela gola do paletó

à porta do templo

e me pedem que aguarde

até que a Democracia

se digne a aparecer no balcão.

 

Mas eu sei,

porque não estou amedrontado

a ponto de cegar, que ela tem uma espada

a lhe espetar as costelas

e o riso que nos mostra

é uma tênue cortina

lançada sobre os arsenais.

 

Vamos ao campo

e não os vemos ao nosso lado,

no plantio.

 

Mas ao tempo da colheita

lá estão

e acabam por nos roubar

até o último grão de trigo.

 

Dizem-nos que de nós emana o poder

mas sempre o temos contra nós.

 

Dizem-nos que é preciso

defender nossos lares

mas se nos rebelamos contra a opressão

é sobre nós que marcham os soldados.

 

E por temor eu me calo,

por temor aceito a condição

de falso democrata

e rotulo meus gestos

com a palavra liberdade,

procurando, num sorriso,

esconder minha dor

diante de meus superiores.

 

Mas dentro de mim,

com a potência de um milhão de vozes,

o coração grita – MENTIRA!

 

Eduardo Alves da Costa -



Fulinaíma MultiProjetos

www.centrodeartefulinaima.blogspot.com

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