O
Homem Com A Flor Na Boca
com o livro e a caneta nas mãos - Sarau Cultural - As Multiliguagens no Palácio
- Ocupação Poética - Palácio da Cultura - Campos dos Goytacazes-RJ - foto :
Antônio Filho
absinto
impossível
te sentir mais do que já sinto
Artur
Gomes
O Homem Com A Flor Na Boca
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Jura Secreta 52
injúria secreta
Suassuna no teu corpo
couro de cor Compadecida
Ariano sábio e louco
inaugura em mim a vida
Pedra do Reino no riacho
gumes de atalhos na pedreira
menina dos brincos de pérola
pétala na mola do moinho
palavra acesa na fogueira
pós os ismos tudo e pós
na pele ou nas aranhas
na carne ou nos lençóis
no palco ou no cinema
a palavra que procuro
é clara quando não é gema
até furar os meus olhos
com alguma cascata de luz
devassa em mim quando transcende
lamparina que acende
e transforma em mel
o que antes era pus
Artur Gomes
do livro Juras Secretas
Editora Penalux - 2018
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Poética, política e memória
Escrever prefácio para um livro de Artur Gomes é um desafio prazeroso. Desafiante é mergulhar no universo imagético e político que sempre compôs sua poética. Este O Homem Com A Flor Na Boca : Deus Não Joga Dados acrescenta o substrato memorialístico ao seu repertório formando a tríade que sustenta o livro temática e formalmente. Meu primeiro contato com a poesia de Artur se deu nos anos 80 por intermédio de seu livro Suor & Cio, obra cuja temática estava em consonância com as reflexões suscitadas pelas “comemorações” do centenário da Abolição da Escravatura em 1988. A partir daí, acompanhei suas criações tanto impressas quanto performáticas, pois Artur não é poeta apenas de livros e silêncios das salas de estares, livrarias e bibliotecas, mas também dos bares, ruas e praças que são do poeta como o céu é do condor.
Poucos poetas contemporâneos expressam tão bem as principais bandeiras do Modernismo de 22 quanto esse vate pós-moderno. Sua poesia é política, antropofágica, nonsense, musical, polifônica e sobretudo intertextual, além de dotada de uma brasilidade corrosiva, avessa ao nacionalismo acrítico que se tem espraiado pela ex-terra de “Santa cruz”.
Neste livro estão todas essas marcas do poeta às quais acrescento o caráter memorialístico. Nele, Artur não apenas rememora antigos poemas por meio de alusões, paráfrases e paródias como traz para seus versos passagens assumidamente biográficas, se apropriando, em alguns momentos, do gênero diário.
Estão contidos nessas memórias seus vários heterônimos: Gigi Mocidade, Federico Baudelaire, EuGênio Mallarmè, Federika Bezerra, Federika Lispector. Diferente do que ocorre com o poeta português Fernando Pessoa, a heteronímia em Artur não se manifesta menos na autoria do que no tecido ficcional. Suas diferentes personas emergem dos poemas para a realidade das redes sociais, interagem entre si, com o poeta e os leitores.
É Gigi Mocidade, por exemplo, que carrega a bandeira do espírito subversivo com seu grito “Irreverência ou morte”, já nas primeiras páginas do livro, e a epígrafe de Federico Baudelaire “escrevo para não morrer antes da morte” anuncia a intenção memorialística. Sócrates, no seu diálogo com Fedro na obra de Platão, argumenta que a escrita seria a morte da memória, mas o que seria de todo o repertório literário não fosse essa invenção humana? Quais mentes suportariam tantos signos produtores de imagens cujos sentidos transcendem às vezes a razão? A escrita não se tornou a morte da memória, mas impossibilitou a morte dos poetas eternizados nas páginas dos livros e memórias dos leitores.
poema 10
meus caninos
já foram místicos
simbolistas
sócio políticos
sensuais eróticos
mordendo alguma história
agora estão famintos
cravados na memória
Nesses oito versos, o autor nos apresenta metalinguisticamente seu percurso poético até este livro que não é uma obra dedicada ao passado. O presente político do Brasil (des) norteia o poeta que não deixa de atacar com sua lira de peçonha os problemas que nunca deixaram de afligir estas paragens desde o suposto grito de Cabral.
poema 12
tem algo de errado
nessas estatísticas de mortes
dessa pandemia
multipliquem 60.000 X 10
e ainda não vai ser exato
o número de cadáveres
empilhados nos campos de concentração
que dá um nome ao país
que ainda nem era uma nação
A verve surrealista do poeta se manifesta principalmente nos poemas narrativos protagonizados por personagens intertextuais como “macabea” (alusão evidente à conhecida protagonista de A hora da estrela de Clarice Lispector) e alter egos – lady gumes – parodísticos do próprio autor.
Em FULINAIMAGEM 14 o tom de diário se instaura com inscrição de data do acontecimento rememorado e transborda na escrita de si em que se revela o papel que a poesia e o teatro desempenham na escritura de seu trajeto como autor: “a minha relação poesia teatro poesia é visceral vital para o que escrevo como quem encena a necessidade do corpo como expressão”. Artur Gomes, este homem com a flor na boca, anda a espalhar o veneno agridoce de sua poesia, numa obra em que não há fronteiras entre o artista, o cidadão, o personagem, o eu poético, a obra. Seu livro não é um objeto, mas um produto interno e nada bruto. A obra é sempre muito maior que o livro, pois este, matéria assim como o homem, finda. A obra, esse totem que se pode cultuar no altar da memória, está sempre presente. E é disso que o poeta fala: do tempo presente, do homem presente, da vida presente. Parafraseando Drummond, com O Homem Com A Flor Na Boca, “não nos afastemos, não nos afastemos muito”, vamos de mãos dadas com a poesia de Artur.
Adriano Carlos Moura
Professor de Literatura – IFFluminense, Campos dos Goytacazes-RJ – Poeta, Ator, Dramaturgo
Os Tortes Tecem Considerações
O ator, produtor, videomaker e agitador cultural Artur Gomes acumula uma bagagem de 50 anos de carreira com prêmios nacionais e internacionais em teatro, música, literatura e artes gráficas. Gomes poderia se filiar na tradição literária dos chamados poetas malditos, como comumente e simplistamente nos referimos àqueles autores que constroem uma obra “rebelde” em face do que é aceito pela sociedade, vista como meio alienante que aprisiona os indivíduos em normas e regras. Tais autores rejeitam explicitamente regras e cânones. Rejeição que se manifesta-se também, com a recusa em pertencer a qualquer ideologia instituída. A desobediência, enquanto conceito moral exemplificado no mito de Antígona é uma das características de tais sensibilidades poéticas, que no Brasil já vem de longe com um Gregório de Mattos e ganhou impulso e seguidores com o famoso trio da “parafernália” rebelde: Verlaine, Baudelaire e Rimbaud.
Já tivemos oportunidade de observar em outras obras do autor, que suas construções poéticas seguem sempre renovadas para cima em matéria de criatividade, elencando uma variada diversidade temática que aborda, sempre em perspectiva ousada e radical, desde o doce e suave sentido do amor, ao cruel da relação amorosa, flertando com o libidinoso, e questões existenciais que expressam indignação, desobediência e transgressão. É que, explica ele: “arde em mim / um rio / de palavras / corpo lavas erupção / mar de fogo / vulcão”. Outra faceta do autor, digna de nota, é a criação de vários heterônimos como sejam Federico Baudelaire, EuGênio Mallarmè ou Gigi Mocidade, talvez a mais irreverente de todos, porque fala a bandeiras despregadas, sem papas na língua. “Muitas vezes a língua pulsa pula para o outro lado do muro outras vezes a língua pira punk nesses tempos obscuros às vezes a língua Dada vai rolando dados nesse jogo duro muitas vezes a língua dark jorra luz nas trevas desse templo escuro”.
E aqui temos afinal, mais uma obra desse múltiplo e incansável poeta que caminha com uma flor na boca, símbolo universal de amor, de paz e beleza. A ele não importa verdadeiramente por quais meios: “se sou torto não importa / em cada porta risco um ponto / pra revelar os meus destroços / no alfabeto do desterro / a carnadura dos meus ossos”. É poética que, para além de perquirir as dores e delícias da condição humana em si, envereda pelo viés de nossa condição social sempre ultrajada. Encontramos um poema que nos pergunta: “quem se alimenta / dessa dor / desse horror / desse holocausto // desse país em ruínas / da exploração dessas minas / defloração desse cabaço // quem avaliza o des(governo / simboliza esse fracasso?” Artur Gomes segue sua árdua caminhada, agora com o poderoso concurso da maturidade que lhe chega. Segue emprestando sua voz aos deserdados, aos desnutridos, aos que têm sede, aos que têm fome, ou aos que morrem assassinados nos guetos, nos campos, nas cidades por balas de fuzil, desse país que tarda em referendar a cidadania.
Krishnamurti Góes dos Anjos - Escritor e
crítico literário.
o poeta resiste
ao que vem da pedra
fedra
artemanha – artéria aberta
no asfalto
onde chão não mais existe
Artur Gomes
O Poeta Enquanto Coisa
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Sistema Único De Poesia -
SUP
com uma câmera nas mãos
um livro no chão
e um poema na cabeça
vamos filmar o poema
antes que desapareça
quem me vê assim
tão comportado
não sabe o que se passa
aqui no centro
não sabe
desse vulcão
em erupção
nesse serTão
do mato dentro
Itamarna é uma cidade morna quase cinza sem
brilho mesmo assim pelas noites passeiam por ali vaga-lumes vagabundos com suas
asas de lâmpadas lamparinas Irina também passeia por ali pelas madrugadas
vestida de quase nada
inútil pensar Irina
vestida de serpentina
como fez Cinzia Farina
em seu poema visual
era uma tarde de chuva
num sonho de carnaval
impossível pensar Clarice em tudo ela me
disse que detesta carnaval e assim só de pirraça quero ser seu mestre/sala pra
mudar a sua fala e a lançar no temporal
come vento menina
come vento
não há mais metafísica no mundo
do que comer vento
Artur Gomes
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Teatro do Absurdo 8
a mulher que come livros – cena 1
Federico - come vento menina come vento. não há mais metafísica no mundo do que comer vento
Clarice - prefiro chocolate
Federico - mas isso aí é um livro
Clarice - não faz mal, é como se fosse
Federico - como se fosse é muito vago
Clarice - pode ser vago pra você mas para mim não é
Federico - você é muito estranha
Clarice - estranha por quê?
Federico - parece até que come livros!
Clarice - e o quê você tem com isso? te incomoda?
Federico - calma, não precisar se irritar!
Clarice - mas quem disse que estou irritada?
Federico - do jeito que você fala!
Clarice - e você queria que eu falasse como?
Federico - normal
Clarice - mas eu falo normal como eu falo esse é o meu normal de falar. Se não está gostando dá licença, e para de fazer perguntas.
Federico - grossa!
Clarice - não gosto de muitas perguntas. sou assim mesmo
Federico - mas não precisa xingar!
Clarice - e quem foi que xingou?
Federico - se não xingou foi quase
Clarice - me deixa em paz. que eu quero terminar de comer meu livro
Federico - é doida, comer seu livro?
Clarice - modo de dizer. já te disse sou assim mesmo
Federico - assim mesmo como?
Clarice - gosto de comer livros, romances, ficção, principalmente poesia
Federico - quero dizer que ainda arde tua manhã em minha tarde
Clarice - nem vem que não tem
Federico - nem tem o quê?
Clarice - essa cantada barata
Federico - tua noite no meu dia
Clarice - vai insistir?
Federico - tudo em nós que já foi feito com prazer ainda faria
Clarice - o que nós já fizemos? tá doido?
Federico - quero dizer que ainda é cedo ainda tenho um samba/enredo
Clarice - fique sabendo que prá mim é tarde
Federico - tudo em nós é carnaval é só vestir a fantasia
Clarice - detesto carnaval
Federico - quero ser teu mestre sala e você porta/bandeira. quando chegar a quarta-feira a gente inventa outra folia
Clarice - você quer fazer o favor de me deixar de comer meu livro
Federico - vai me dizer que não gostou?
Clarice - detestei. cantada barata igual a essa eu já ouvi de um monte
Federico - duvido!
Clarice - então fica aí com a sua dúvida por quê quanto a isso eu não tenho nenhuma. e me dá licença que eu vou terminar de comer meu livro
(lendo o livro)
Federico - come chocolate menina, come chocolate. não há mais meta física no mundo do que comer chocolate.
Sarau Cutural – As Multilinguagens
Ocupação Poética – no Palácio da Cultura
27 outubro 19h
Clara Abreu : esquete: DANINHA
texto, direção e performance: CLARA ABREU
Clara Abreu : Uma em cada quatro mulheres que já viveram um relacionamento, sofreram violência exclusivamente dos parceiros.
Esse é o eixo norteador da Esquete Teatral, dando enfoque em sua característica conjugal e abordando fases do relacionamento abusivo. DANINHA, como é nomeada a cena, pretende informar e desenvolver reflexões a cerca deste problema social e, infelizmente, comum.
Clara Abreu, 25 anos, atriz
Início da prática aos 15, pelo Curso Livre de Teatro, atualmente Licencianda em Teatro pelo Instituto Federal Fluminense. Em parceria com a Santa Paciência Casa Criativa ofertou oficinas teatrais para crianças e adolescentes. Melhor Direção pelo trabalho autoral, DANINHA, na Semana da Arte na Universidade Cândido Mendes, indicação ao de Melhor Atriz pelo Festival SATED, em 2019, no Teatro de Bolso Procópio Ferreira, onde no mesmo estreou trabalhos, neste ano de 2023, como Anti Amor, A Última Festa, O Julgamento de Lúcifer e Conversas com Chocolate.
Sarau Cultural
As Multilinguagens no Palácio
27 outubro 19h – no Palácio da Cultura – Ocupação Poética
coordenação e produção
Artur Gomes
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Realização: Fundação Cultural Jornalista Oswaldo Lima
Terapia de Patrões
Esquete de Ique Frias
com Ique Frias, Pedro Gasparini, Samyla Jabor, Valdney Mendes,
Priscila Pessanha e Flávia Tavares.
Utilizando um humor ácido, Terapia de Patrões denuncia o descaso
aos direitos trabalhistas.
Juras Secretas
feitiçarias de Artur Gomes - por
Michèle Sato
Difícil iniciar um prefácio para abordar
feitiçarias de um grande mestre. A mágica aparição do texto transborda sentidos
cósmicos, como se um feixe de luz penetrasse em um túnel escuro dando-lhe o
sorver da vida. Diariamente, recebo um deserto imenso de poemas e a leitura se
esvai com “batatinha quando nasce põe a mão no coração”. Um
ou outro me chama a atenção, desde que sou do chamado “mundo das ciências” e
leio poemas com coração, mas inevitavelmente aguçado pelo olhar crítico vindo
do cérebro.
A academia pode ser engessada, mas é,
sobremaneira, exigente. Aplaude o inédito, reconhecendo que o poema é um caos
antes de ser exteriorizado, mas harmônico, quando enfeitiçado. A leitura requer
algo como canto do vento, que não seja fugaz, mas que acaricie no assopro da
Terra. Por isso, é com satisfação que inicio este pequeno texto, sem nenhuma
pretensão de esgotar o talento do grande mestre, mas responder aos poemas de Artur que brilham, soltam faíscas,
incendeiam-se em erotismo e garras enigmáticas. Ele transcende regras, inventa
palavras, enlouquece verbos. E as relações estabelecidas revelam a desordem dos
sonhos na concretude harmônica de suas palavras.
A aventura erótica não se despede de seu olhar
político. Situado fenomenologicamente no mundo, e transverso nele, Artur profana o sagrado com suas
invenções transgressoras. Reinventa a magia e decreta uma nova vida para que o
mundo não seja habitado somente pelos imbecis. Dança no universo, com a palavra
fluída, imprevistos pitorescos, mordidas e grunhidos. Reaparece no meio de um
cacto espinhoso, mas é absurdamente capaz de ofertar a beleza da flor.
Contemporâneo e primitivo se aliam, vencem os abismos como se ao comerem as
palavras monótonas, pudessem renascer por meio da antropofagia infinita de barulhos
e silêncios. O sangue coagulado jorra, as cavernas se dissolvem e é provável
que poucos compreendam a beleza que daí se origina.
Nos labirintos de suas palavras, resplandece o
guerreiro devorador, embriagado, quase descendo ao seu próprio inferno. Emana
seu fogo, na ardência de sexo e simultaneamente na carícia do amor. Pedras
frias se aquecem, coram com o tom devasso que colore a mais bela das
pornofonias. Marquês de Sade sente inveja por não ser o único déspota das
palavras sensuais. E os poemas de Artur
reflorescem, exalam odor como desejos secretos e risos que ecoam no
infinito.
não fosse
essa alga queimando em tua coxa ou se fosse e já soubesse mar o nome do teu
macho o amor em ti consumiria (jura
secreta 5)
De repente um cavalo selvagem cavalga na relva
úmida, como se o orvalho da manhã pudesse revelar o fogo roubado das pinturas
rupestres. Ao som de tambores, suas palavras se tornam arte em si, como se
fossem desenhos projetados em um fantástico mundo vertiginoso. Seres encantados
surgem das águas originários de sentimento, abraçadas nas pedras lisas,
rugosas, esverdeadas da terra. O fogo dança em vulcões e a metamorfose é
percebida em seus ares. Os elementos se definem como bestas, humanos, ou
segmentos da natureza como uma orquestra sinfônica que vai além da sonoridade.
Adentram sentidos polissêmicos e, neste momento, até o André Breton percebe o significado das palavras de Artur, pois a beleza é convulsiva e
crava no peito feito cicatriz.
e o que
não soubesse do que foi escrito está cravado em nós como cicatriz no corte (jura secreta 10)
Da violação do limite, do fruto proibido ou da
linguagem erótica, os poemas de Artur são orgasmos literários que oscilam entre
o sacro e o profano. Sua cultura, visão de mundo e inteligência possibilitam ir
além da pura emoção sentimental, evocando a liberdade para que a terra
asfixiada grite pela esperança. Artur
comunga com outros seres a solidariedade da Terra, ainda que por vezes, seja
devastador em denunciar disparidades, mas é habilidoso em anunciar acalentos. A
palavra poética desfruta fronteiras, e Roland
Barthes diria que a história de Artur
é o seu tributo apaixonado que ele presta ao mundo para com ele se conciliar.
Em sua linguagem explosiva, provavelmente está a intensidade de sua paixão - um
amor perverso o suficiente para viciar em suas palavras, mas delicado o
bastante para dar gênese ao mundo enfeitiçado pela habilidade de sua
linguagem.
A essência deste perfume parece estar refletida
num espelho, pois se as linguagens podem incluir também o silêncio, as palavras
de Artur soam como uma melodia.
Projetada numa tela, a pintura erótica torna-se sublime e para além de
escrevê-las, ele vive suas linguagens. Esta talvez seja a diferença de Artur com tantos outros poetas: a sua
capacidade de transcender a tradição medíocre para viver um intenso de mistério
de sua poética. Ele não duvida de suas palavras, nem as censura para não
quebrar seu encanto, mas devora em seu ser na imaginação e no poder de sua
criação. Criador e criatura se misturam, zombam da vida, gargalham da
obviedade. Põem-se em movimento na dança estrelas que iluminam a palavra.
Os fragmentos poéticos são misteriosos de
propósito, uma cortina mal fechada assinala que o palco pode ser visto, porém
não em sua totalidade. Disso resulta a sedução para que ele continue
escrevendo, numa manifestação enigmática do poder surrealista em nos alertar
sobre nossas incompletudes fenomenológicas. O imperfeito é o sentido da
fascinação, diria Barthes em seus fragmentos de um discurso amoroso. E a
poética de Artur não representa
ressurreição, nem logro, senão nossos desejos. O prazer do texto pode revelar o
prazer do autor, mas não necessariamente do leitor. Mas Artur lança-se nesta dialética do desejo, permitindo um jogo
sensual que o espaço seja dado e que a oportunidade do prazer seja saciada como
se fosse um "kama sutra
poético" para além do prazer corporal. Esta duplicidade semiológica
pode ser compreendida como subversiva da gramática engessada - o que, em
realidade, torna seus textos mais brilhantes. Não pela destruição da erudição,
mas pela abertura da fenda, para que a fruição da linguagem seja bandeira
cultural da liberdade.
E a sua liberdade projeta-se num horizonte onde
a dimensão sócio-ambiental é freqüentemente presente. É uma poesia universal de
representações urbanas e rurais, de flora, fauna e fontes de praças públicas.
Desacralizando o “normal previsível”,
borda em sua costura de mosaicos, esquinas e passaredos.
eu sei de
gente e de bichos ambos atolados no lixo tem gente que come bicho tem bicho que
come gente tem gente que vive no lixo tem lixo que mora no bicho gente que sabe
que é bicho e bicho que pensa ser gente (jura secreta 28)
A poética das Juras Secretas opõem-se a instância pretérita numa espiral de
presente com futuro. Metafisicamente, desliga-se do momento agonizante e os
olhos do poeta não se cansam, ainda que a paisagem queira cansá-los. Seu toque
lembra o neoconcretismo, por vezes, cuja aparição na semana da arte moderna
mexeu com os mais tradicionais versos da literatura ordinária. Mas sua
temporalidade vence Chronos, na
denúncia de um calendário tirano ao anúncio de Kairós, também senhor do tempo, mas que media pelos ritmos do
coração.
20 horas 20 noites 20 anos 20 dias até quando esperaria... até quando alguém
percebesse que mesmo matando o amor o amor não morreria. (jura secreta
51)
É óbvio que a materialidade da linguagem, sua
prosódia e seu léxico se mantêm no texto. Mas foge das estruturas engessadas do
arrombo repetitivo, florescendo em neologismos verossímeis e ritmos cardíacos.
Amiúde, são palavras jorradas em potente cultura significante. No chão
dialogante, este poeta desestabiliza a normalidade com suas criações.
por que
te amo e amor não tem pele nome ou sobrenome não adianta chamar que ele não vem
quando se quer porque tem seus próprios códigos e segredos mas não tenha medo
pode sangrar pode doer e ferir fundo mas é razão de estar no mundo nem que seja
por segundo por um beijo mesmo breve por que te amo no sol no sal no mar na
neve. (jura secreta 34)
ARTUR
GOMES é, para mim, um grande
relato de seu próprio devir, que sabe poetizar a partir de seu vivido. E por
isso, enfeitiça.
Michèle Sato
– Bióloga, pesquisadora na Universaidade Federal do Mato Grosso do Sul.
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Pedra
Pássaro Poema
era uma vez um mangue
e por onde andará Macunaíma
na sua carne no seu sangue
na medula no seu osso
será que ainda existe algum
vestígio de Macunaíma
na veia do seu pescoço?
na teoria dos mistérios
dos impérios dos passados
nas covas dos cemitérios
desse brasil desossado?
Macunaíma não me engana
bebeu água do paraíba
nos porões dos satanazes
está nos corpos incinerados
na usina de cambaíba
em campos dos Goytacazes
Macunaíma não me engana
está nas carcaças desovadas
na praia de manguinhos
em são francisco do itabapoana
Artur
Gomes
O Homem Com A Flor Na Boca
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MOENDA
Usina mói a cana
o caldo e o bagaço
Usina mói o braço
a carne o osso
Usina
mói o sangue a fruta e o caroço
tritura suga torce
dos pés até o pescoço
e do alto da casa grande
os donos do engenho controlam
:
o saldo e o lucro
Artur
Gomes
Poema dos livros: Suor & Cio – 1985
Pátria A(r)mada
- Desconcertos Editora – 2019 – 2ª Edição 2022
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Amanhece
E, se nesta manhã que amanhece, se arrasta, espicha
e espreguiça buscando romper com a escuridão, eu nada quisesse ou esperasse?
Como os galos, nenhuma preocupação, nenhum anseio.
O poço infindo das expectativas zerado, esvaziado.
Se eu não esperasse por nada, nada a querer: nem
pelo comportamento das bolsas, das massas, pelo movimento dos políticos, dos
algozes, dos bandidos, traficantes, milicianos ou religiosos que nos
governam; pelo fim de alguma guerra que
engendra a próxima, já que guerra é a única possibilidade e os galos nem se
manifestam ou se abalam com ela.
Nenhum boleto a vencer, nenhuma mensagem a chegar,
apenas o ambiente fértil, propício à poesia: o imenso vazio e o improvável
silêncio, o canto do Sabiá.
E se, apenas assim, sem nada esperar, liberasse
Deus de qualquer compromisso comigo: nenhuma promessa, nenhuma vitória, nenhum
porvir. Porque amanhece e isto já basta e, enfim, eu deixasse Deus descansar?
Ah, se essa manhã que se arrasta e demora, pelo
empurrão do cocoricó insistente, se fizesse completamente manhã, e eu nada
esperasse.
Alexandro