CAVOUCANDO A TERRA
Wilson Coêlho
A obra "Itabapoana Pedra Pássaro Poema ", de Artur Gomes, é toda "poiesis", na perversão dos significados, trata-se de uma poesia no pau-de-arara, confessando intimidades, inventando conceitos, transitando nas peripécias, nos espasmos, no lance de dados.
Não é por acaso a ideia do subtítulo ou anunciação de "poesia, alquimia e bruxaria", considerando a poesia, como gênero literário que faz uso de uma linguagem musical, figurada e criativa para veicular expressões artísticas, bem como, a alquimia dos sentimentos líquidos que escorrem no delírio do poeta que, de certa forma, no que diz respeito à bruxaria, resgata o místico, não religioso, que coloca em questão a possibilidade do óbvio de se estar no mundo, fora da lógica cartesiana, numa viagem Catatau leminskiana.
A poesia escrita, encenada, cantada, em movimento, inerte, barulhenta ou silenciosa. É a esfinge, Torre de Babel, Cavalo de Troia, fios de Ariadne, ferocidade de Teseu, sonho de Penélope, aventuras de Odisseu, nave louca de Torquato Neto, Macunaíma de Mário de Andrade, loucura de Artaud, ópio de Baudelaire, pânico de Arrabal.
Podemos afirmar, sem medo de errar que, em "Itabapoana Pedra Pássaro Poema", Artur Gomes usa a pena como uma pá que lavra os sulcos de um terreno baldio, a palavra como um arado em movimento, uma palavração. Assim, vai desenhando na página branca, cavoucando a terra para enterrar as sementes de suas árvores "geniológicas", sempre frutíferas e, como um agricultor e arqueólogo das palavras, as retira da mera condição de semânticas, inventando novos significados, desafinando o coro dos contentes e desafiando a gravidade da lei da gramaticidade.
Enfim, em "Itabapoana Pedra Pássaro Poema ", estamos diante de uma desarticulação do mito e num processo de reinvenção, uma porta de entrada na utopia (u-topus = não lugar) para dar existência a um novo lugar da poesia extemporânea.
Wilson Coêlho é poeta, tradutor,
palestrante, dramaturgo e escritor com 28 livros publicados, licenciado e
bacharel em Filosofia e Mestre em Estudos Literários pela UFES, Doutor em
Literatura Comparada pela UFF e Auditor Real do Collège de Pataphysique de
Paris, do qual recebeu, em 2013 o diploma de “Commandeur Exquis”. Assina a direção de 29 espetáculos montados
com o Grupo Tarahumaras de Teatro, com participação em festivais e seminários
de teatro no país e no exterior, como Espanha, Chile, Argentina, França e Cuba,
ministrando palestras e oficinas. Também tem participado como jurado em
concursos literários e festivais de música. Participa de diversos movimentos e
eventos de teatro na América Latina.
Posfácio de Artur Gomes
Renata da Silva de Barcellos (Pós-doutorado em
Literaturas – CEJLL – NAVE RJ)
Nesta obra intitulada Itabapoana Pedra Pássaro Poema, Artur
Gomes possibilita o leitor navegar
em diversas áreas do conhecimento: Literaturas:
“quando Rachel escreveu quinze meus olhos doeram nos olhos”; Música: “Joilson Bessa me disse
Kapiducéu já ensaia Macunaíma vem vindo no Auto do Boi Macutraia” e “misturei
meu afro reggae a muito xote do xaxado ainda fiz maracatu maxixe frevo já
juntei ao fox trote quando dancei bumba meu boi em pernambuco fulinaíma é punk
rock rasgando fados em bossa nova feito blues para pintar a pele branca de
vermelho e repintar a pele preta de azuis”. Um verdadeiro passeio por diversos
gêneros. Não poderia faltar o samba “do azul/marinho da Portela o verde/rosa da
Mangueira”. E Artes plásticas:
“levanta natureza morta você não é Cubismo de Picasso nem Surrealismo de Dali
diante os cabelos de aço de Frida Calo”.
O poeta utiliza três palavras-resumo: poesia alquimia bruxaria. Essas
sintetizam a essência dos seus poemas. De fato, alusões (“helena me deu um cavalo de pau”) e citações (“se foi Cândido Portinari quem pintou as portas de
entrada da favela ou se foi Rúbia Querubim”) são “misturadas” ao tom crítico
(“só come o pão que o diabo amassou portas sempre fechadas na cara do
trabalhador grandes fortunas livres de impostos projeto para aliviar o bolso do
povo câmara dos deputados rejeitou”). Dessa forma, surge seu estilo próprio no
qual seus textos são ricos em referências, possibilitando o leitor com um bom
nível cultural a se deleitar em novas possibilidades estéticas de poesia.
Através delas, podemos constatar seu posicionamento político “contra o poder da
tirania” como em (“eu sou matéria argamassa armadura permaneço de pé encaro o
tempo contra o vento contra a tirania da mordaça nada que eu não faça”).
Uma das características da poesia
contemporânea é a experimentação “sem existencialismo cansei dos ismos pós
concreto”. Gomes faz diversas alusões ao poeta francês Charles Baudelaire, considerado o
pai da poesia
moderna, a partir de 1848: “nasci federico DuBoi de Baudelaire da
caneta de um poeta que não...” e a
Mallarmé com as experimentações como em Um lance de dados. Na atualidade, compreende-se a língua como
“plástica e maleável”, permitindo criações por Gomes como: “A pá-lavra poesia”
– “leminsk i Ando”- “se FlorBela ainda vive” e “em carNA val meu olho disse:”
Também é marcante a força pela surpresa lexical com neologismos “brasilírica”.
Assim, utiliza alquimia para desbravar novas formas de linguagem como em: “
sagarânica” (A
palavra Sagarana é um neologismo que une o radical germânico “saga” cujo
significado é "canto heroico" ou "lenda", com a palavra
tupi “rana”, sentido "que exprime semelhança" e o sufixo
"-ica" é um sufixo nominal de origem latina). Essa é uma das
marcas desta obra. Observa as palavras para decompô-las como em “primavera”
criou “Ana à Vera” a fim de recriar e expressar novos sentidos.
Outra
marca da poesia contemporânea é valorização da intertextualidade, um
recurso linguístico que já havia sido observado na corrente modernista.
Exemplo: “que
não sou triste um poema ainda existe pra me animar do desconforto para me
salvar do entretanto pra me acertar no desconcerto”. Salve, salve Cecília
Meirelles!
Faz
alusão a fatos históricos para crítica social como a chegada do português
(“enquanto na primeira missão galo camões bem galinha chocando o ovo do índio
ou pero vais que caminha”) e a Independência do Brasil (“no jantar da quinta da
boa vista dois anos depois da independência d pedro não conseguiu engolir
abapuru no quartel da realeza Leopoldina”). O poeta conduz seu leitor a
refletir sobre diversos acontecimentos também.
Dessa forma, trata-se de uma obra primorosa na qual o autor demonstra o poder de articular diversas áreas do conhecimento. E de um belo exemplo da Poesia Contemporânea. Vale a pena a leitura!!! Sugestão: utilizar em sala de aula para aprimorar o conhecimento de mundo dos alunos. E viva a POESIA CONTEMPORÂNEA!
me arrepio
dos pés dos cabelos
aos pelos da película
da medula
quando ouço
uma jura secreta
na boca do poeta
com sua língua
fornalha
faz tempo muito tempo
desde a sua carNAvalha
que o meu rio se estremece
e aí eu rogo em prece
que o meu corpo ainda valha
uma palavra no teu cio
Irina Serafina
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VeraCidade
pedra de toque
pedra de rock
veracidade meu bodoque
tem seu preço
na minha idade esta cidade
ainda não conheço
ninguém sabe escrever o endereço
desde os tempos
das colônias dos impérios
dos tropeiros dos tropeços
irina passeia à beira mar vestida de maresia beija no vento o sal do suor da pele nua quando senta na pedra do sossego gozando a liberdade de ser unicamente sua
Artur Gomes
surucabano
chiriquela gata magrela
com sua boca da guesa
me pergunta da janela
por sua mãe portuguesa
dandara a psicopata
de família irlandesa
traiu a confidência de zapatta
no carnaval pernambucano
matou o pai numa gravata
e se alistou no exército mexicano
Federika Lispector
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Couro Cru & Carne viva
Assembléia Geral e Irrestrita
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Rúbia Querubim, que possivelmente se dará no lançamento do livro Vampiro Goytacá
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Irina Severina
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zanzalar
um desafio para se caminhar é sal é pedra carvão é mar na
borda do campo paranapiacaba morde o calcanhar de três cidades não santas mas
nada disso me espanta para na mata atlântica pedalar
se enfiar novamente no mato curupira carrapato pirapora comer do verde que na mata inda
restou
ouvir da mata tom jobim no seu cantar na língua do
sapobemba no bico da sabiá que ainda não
cantou
beber da água da bica do lago billing e de toda natureza
virgem/selvagem voltar a me alimentar
Artur Gomes
fotos: de Israel Mario Lopes
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Artur Gomes – Fulinaimagens