GOYA TACÁ AMOPI
ao criar todo o universo
deus foi com campos perverso
tal como diz a piada
em terras de massapê
de vista a se perder
semeou povinho de nada
dizem ser deus brasileiro
mas eu digo que é fuleiro
o deus que fez isto aqui
pois quando criou o mundo
não hesitou um segundo
em esta terra punir
é praga de goitacá
é praga de mungunzá
é praga de jesuíta
é tanta desgraça junta
que ninguém mais se pergunta
por que terra tão maldita
e pensar que o paraíba
rasgando a serra em ferida
um dia pariu a planície
enfeitou-a de ingazeiros
e de pássaros trigueiros
e por fim nos deu habite-se
e nos deu tanta riqueza
que engalanada nobreza
pra do povo se servir
não mediu regras e esforços
dizimou a indiada
escravizou a negada
sem pena, dó ou remorso
e em seus campos primeiros
semeou mato brejeiro
transformando em aceiro
este jardim de delícias
cultuado em prosa e verso
por poetas ufanistas
“Ó Paraíba, ó mágica torrente
Soberana dos prados e vergéis
Por onde passas como um rei do oriente
Os teus vassalos vêm beijar-te os pés”
eta destino perverso
que pra ti deus reservou
pois onde o verde se espraia
chove fuligem nas saias
do santíssimo salvador
pois dele é mais que preciso
proteger-se do inimigo
que em teus brejais hoje grassa
pois tanto que lhe usurparam
tanto que lhe ultrajaram
tanto lhe vilipendiaram
que caístes em desgraça
apesar do ouro negro
és em si nosso degredo
em ti somos expatriados
de ti somos extirpados
nada do que é seu é nosso
trazemos no peito remorso
já não temos amor próprio
mais andamos cabisbaixos
sem saber pronde seguir
goya tacá amopi
o que fizeram de ti
nesta virada de século
foi um estupro perverso
de colo seio e gentio
que em nada lembra o bravio
e ancestral goitacá
goya tacá amopi
mais que nunca precisamos
as tuas rédeas tomar
e recantar com prazer
os versos de azevedo
na música de perissé
e de você nos orgulhar
“Campos Formosa, intrépida amazona
do viridente plaino goitacás
predileta do luar como Verona
terra feita de luz e madrigais”
Antonio Roberto Góis Cavalcanti - Kapi
foto: César Ferreira - Arte: Genilson Soares -
1º Lugar no VIIº FestCampos de Poesia Falada - 2006
muda
a memória sai da toca
sobe pela palafita
ainda escorrendo lama
e me fita
com olhos de caranguejo
entre as tábuas do piso
do bar do espanhol
quando o pontal era ponta
tinha fé de igreja
e luz de farol
na boca do mangue
passei minha rede de arrasto
mas só peguei filhotes de bagre
que me ferraram o pé
ao chutá-los de volta à água
até que pedro me ensinou
a pegar pitu de mão
entre raízes do mato
na beira do alagadiço
hoje passo no mangue
e não piso na lama
mas na asfixia lenta
dos aterros do homem
e do avanço do mar
perto das ilhas da convivência e pessanha
siamesas da mesma terra
onde ficou minha casca da muda
de caranguejo a espera-maré
atafona, 06/2000
Aluysio Abreu Barbosa
*Poema vencedor do IX FestCampos de Poesia Falada,
em 2008
e parte do repertório do espetáculo poético
teatral Pontal - criado e dirigido por Kapi
foto: Artur Gomes
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