sábado, 11 de março de 2023

A meus deuses profanos

 

A meus deuses profanos.

Sou ateu, mas sou poeta.
Portanto: Malandro e santo.
E me resguardam uns outros tantos agora exus e anjos
(Alguns são vivos).

Tenho a proteção dos desvalidos, dos malditos, dos mal interpretados, dos mal tidos.
Baudelaire, Macalé, Zeca Baleiro...
a melodia do melodia, um panteão inteiro.

Neste céu infernal, Bukowski podre de bêbado está na porta.
É o chaveiro.
Bocetas multicoloridas voam como borboletas entre flores de cannabis no desfiladeiro.

O fruto proibido se esgotou.
Só sobraram ressacas e vertigens.
No céu dos poetas que o diabo projetou,
só ficou proibido o acesso às virgens
(que deixam na entrada com Bukowski os preciosos hímens).

Vinícius pinta no arco-íris, uma aquarela de vícios
chorando litros de Whisky ao rememorar Toquinho.
O Tom dá o tom do seu lamento.
Em afinada arpa o acompanha Cartola
que também toma umas biras lá no firmamento, quebra o precioso instrumento...
pede ao Zé Pilintra a viola.

Mas vejo no canto sozinho...
Camões caolho e desditoso...
Mario Quintana lhe oferece um cigarrinho...Diz-lhe: “- Todos os poemas são de amor”.
Nesse ponto, discutem de novo.

Fernando é que é pessoa intratável...
Ninguém até hoje fez amizade com o cara...
Contempla a natureza nova, novamente insondável.
Quer se matar de novo e murmura: “- Eu não sou nada... não sou nada.”

Garcia Lorca lidera a passeata LGBT.
Cazuza o ama, mas quem ama Cazuza é Caio Fernando Abreu.
Rimbaud apaixonou-se por Rilke
que envia cartas a um jovem poeta feito um pateta (porque nunca o leu).
Renato puxa papo com Tchaikovski, tenta a cantada ruim por impulso, oferece um o pó mágico a ele, e diz:“- Oi gato, eu também sou Russo.”

Drummond assiste tudo de cima.
Cisma em reescrever “A Quadrilha”.
O mineirinho até que foi convidado como simpatizante,
mas segue comedido e reservado como era antes.
Prefere as musas, a solidão, a materialidade das coisas...
Conclui coisas secas.
Rejeita por vezes a rima.
Plantou escrivaninha no alto pra contemplar vasto mundo.
Não sai por nada lá do cume.

Florbela espanca Anais Niin por ciúme.
Cora Coralina tece serenos bordados de renda, de versos.
Ao cair da noite tudo se resume...
Em calmarias e desassossegos dispersos.

No céu dos poetas e das poetizas,
há sempre um serafim que abranda,
um querubim que satiriza.

E eu cá embaixo sou mais um devoto dos desmiolados santos.
E sou regido por eles.
Por mais que eu cante outros pontos.

Num dia difícil, material, literal, áspero, concreto...
intuo que não estou sozinho, tomo uma taça de vinho...
Vejo meus deuses de perto.

Marcelo Atahualpa -
Macaé-RJ

Segundo lugar no XXI FestCampos de Poesia Falada – 2019 - categoria - Poesia 


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