NEW GOTHAN CITY
“Há um morcego na porta principal”
JardsMacalé e Capinan
Na noite morna de Gothan City
nuvens de chorume ameaçam desabar
sobre cabeças indesejadas.
Falsas novidades apontam para bizarros perigos:
bíblias pornôs, criancinhas engolidas
perigosíssimos complôs intergalácticos
uma exposição profana
artistas satânicos, pensadores perniciosos
ameaçam a paz em Gothan City...
Em um palanque da Praça principal
um velho messias ressuscita novos lázaros
e realiza o milagre da multiplicação
de novos cegos
de novos imbecis
de novos coxos.
Uma indesejada tomba
e uma desejada tumba se abre fria
comendo, comendo sonhos
Enquanto faxineiros sociais recebem comendas,
comendas
urubus galardoados sobre uma Gothan City
limpíssima.
Mas cuidado!!!... Existem portas que não a
principal
em Gothan City...
Tubulações que excretam escrotos lambidos
nos umbrais da urbe
escrotos de vetustos escrotos do Novo Mundo
saquinhos de exumadas múmias genocidas
Tubulações perpassam esquecidos calabouços
abrem profundas fendas no poema que insiste
em manter-se lírico.
Um poema sujo na branquíssima Gothan City.
Cuidado!!!! Há um grande circo na Praça Nacional
Há uma louca na ala psiquiátrica principal
Há uma balbúrdia no picadeiro central
Uma charada em verso branco
Uma ode ao ódio
Um idílio à castração
Lobotomias consentidas
em Gothan City.
Cuidado!!!! Há um palhaço na cadeira principal!!!
Um poema-laço
Um poeta lasso
Um abraço
Um balaço, dois, três, quatro, nove balaços!!!
Um poema no lixo
Um fogo-fátuo na noite
um dedo que atira
no meio da rua escura
no meio daquele março
onde duas almas ascendem
Eternos fogos-fátuos nos labirintos kafkianos
de Gothan City.
Nove baques secos na avenida:
- Pá! Pá! Pá! Pá!
Tiros na cara
Tiros de tiras...
Um silêncio
E os olhos cúmplices da rua
semicerrados...
(Um rádio ligado
e uma opulenta diva negra- e também indesejada -
gritando do sofá:
– Que tiro foi esse?...
Que tiro foi esse, viado?)
Alberto Sobrinho
Niterói-RJ
Maio - 2019
primeiro lugar no XXI FestCampos de Poesia Falada
- categoria - Poesia
ama-me em cada vestígio
meus cabelos caindo durante o banho
o sangue descendo do meu sexo todo mês
ama-me a mendiga de pizarnik
a boca descamando no frio de agosto
o corpo que perco do meu corpo
o rio
as águas que se vão de mim
ama-me como se mesmo meu choro fosse precioso
como se valesse mais que ouro
a lágrima, o grão de sal retido
à ponta do meu cílio
---
mar becker
em: estudos em torno do caderno dos fins, 2019
Mariana Brumadinho
um mar de lama
mata um rio
que era doce
Mariana Brumadinho
tem muita lama
no meu do caminho
holocausto
quem se alimenta
dessa dor
desse horror
desse holocausto
desse país em ruínas
da exploração dessas minas
defloração desse cabaço
quem avaliza o des(governo)
simboliza esse fracasso?
Artur Gomes - 2019
Fulinaíma MultiProjetos
fulinaima@gmail.com
(22)99815-1268 – whatsapp
www.fulinaimagens.blogspot.com
não sei quantos
morreram na última semana
não sei como -
o que sei é que há lugares como este país
e que mesmo que nossos olhos todos confluíssem e
chorassem uma eternidade
não haveria água o bastante para lavar as ruas
as casas
as memórias
os nomes
os silêncios
.
também não sei quantos viveram
na última semana
o que sei é que vivem como podem, ventam vozes
num continente arrasado
chamamo-nos de amigos
somos cúmplices nisto de passar minutos olhando-se
no espelho
à procura da chuva
do outro que nos olhe
.
tem sido assim desde o início
há sempre alguém que buscamos em nosso olhar
e que já perdemos
há sempre marielle sendo morta em outra mulher
negra da maré
há sempre oitenta tiros disparados por engano
há sempre o mesmo menino
deitado no colo da mãe que é sempre todas as mães
ouvindo a pergunta
"ele não viu que eu tava de roupa da escola?"
o mesmo mar de lama
as mesmas praças
os mesmos rostos vistos pelo vidro dos carros
tão velhos, nossos novos dias
.
seguimos, como seguem
os amigos
comentamos as notícias da semana, dizemos
"passa, vai passar"
dizemos "chega"
seguimos, como seguem
os que morrem aos poucos
(apesar de terem sobrevivido a mais uma semana)
seguimos
e combinamos de tomar uma cerveja um dia destes
qualquer
num futuro que sabemos
que não há
---
mar becker
em: anotações, série em trabalho. algumas imagens
que foram extraídas da versão original serão ampliadas em trechos próprios, na
sequência do caderno. 2019
Mortes e Recomeços
Mais uma morte parida,
Nove meses de gestação:
Março: Marielle;
Dezembro: Figueiredo
Quantas mais? Tantas já feitas
não cabem nos meses, nos dedos
Paridas, tais mortes
encharcam o solo dos pobres
com sangue e mais desprezo
Mortes em colo violento e covarde
não dormem assim tão cedo
e acordam, sem saber, o seu avesso
PM e vereadora mortos -
ele em Natal; ela no Rio de Janeiro -
se transformam em nascimento
Um cordão umbilical
por humanos direitos,
de tal modo visceral,
une e nutre outros sujeitos
que o fim se faz imortal
Hoje, dia de Natal,
data um norte, um exemplo
de vida, morte e recomeço.
Delayne Brasil, 25/12/18
Salto Sublime
Contra corda da forca
Canto de pássaro livre:
Samba com força
moço ou moça
Rap, repique, suingue
Dança o jongo
Toca o choro
Vibra o povo
Dá um salto sublime
_________
“E no entanto, é preciso cantar/ Mais que nunca, é
preciso cantar/ é preciso cantar e alegrar a cidade” (Trecho da música Marcha
da Quarta-feira de Cinzas, de Vinicius de Moraes e Carlinhos Lyra)
Mais que Nunca!
A bala da moda é a perdida na balada nossa de cada
dia
Cidade partida sempre se mostra, roça as vidas:
mil Rocinhas
Não se queira que se dane o Rio de sangue e
maravilhas.
Rio explode nas retinas e até pode virar minas
Mais que nunca, cantar forte coletiva utopia.
E que rio de recortes seja só em geografia
Arte é campo sem divisas, vê além do que se expia
Qualquer canto será grande sob o céu da poesia
Delayne Brasil —
Natural de Seropédica/RJ, cursou Letras na UFRJ. Com o Grupo Poesia
Simplesmente, organiza o sarau Terça ConVerso e o Festival Carioca de Poesia, e
com o qual publicou três livros (em 1999, 2001 e 2008). Participou de várias
coletâneas e publicações literárias. Musicou poemas de autores contemporâneos,
registrando tal trabalho em seu CD Nota no Verso, lançado em 2003. Publicou, em
2013, o livro de poesias Em Obras, pela Oficina Editores.
o primeiro inferno (1)
Disse-me um homem:
tem sangue na tua orelha.
Eu lhe respondi.
Não é meu.
É sangue de luta
de homens velhos.
Brigavam sobre essas pedras
e o mais forte tinha
unhas de metal.
Faiscavam as pedras
quando nelas as unhas batiam.
Separávamos o dois,
eu e meus amigos,
quando minha orelha foi banhada.
E eu disse ao homem:
vês aquela carroça
que se afasta¿
nelas são transportados
dois velhos que lutavam
pela posse do rebanho de bodes.
Interviemos com gritos e
saltos sobre o córrego.
Nossos braços eram curtos
e não conseguíamos conter o
choque das cabeças contra as pedras
e cabeça contra cabeça.
Por fim,
vimos a morte,
eu meus amigos e os bodes.
Celso de Alencar
do livro O Primeiro Inferno
Editora Penalux - 2019
I
amanheço lenda na feitura de tuas mãos
da soleira da porta, pulso algas azuis
infinita sombra de memórias
ávida, sede de mim
talvez não permaneça aqui, encontre-me
nas páginas das magias, no esfumaçado ler
oblíquo contorno de caneta
da criança que absorve cerejas
na luz fugidia do quarto, em pose trabalhada
arrebentou um solo de piano como um rasgo
no rosal azul, escrevo-me
esvaziada, histórias de começos.
Ingrid Morandian/ Photo: Paulo Medeiros.
Nenhum comentário:
Postar um comentário